Quando a Toga Cala o Parlamento: O Silêncio que Ameaça a Democracia

A imunidade parlamentar é mais do que uma prerrogativa legal: é uma salvaguarda essencial para o funcionamento da democracia. Foi concebida para proteger o livre exercício do mandato dos representantes do povo, garantindo-lhes a liberdade de expressão necessária para enfrentar interesses poderosos, debater ideias e defender a população que representam. Contudo, essa garantia vem sendo destruída de forma sistemática no Brasil, e o responsável por esse desmonte não é outro senão o Supremo Tribunal Federal.

Nas últimas décadas, mas com maior intensidade nos últimos anos, o STF tem gradativamente restringido o alcance da imunidade parlamentar. Com decisões que vão muito além de sua função interpretativa, os ministros da corte têm se permitido legislar por vias oblíquas, enfraquecendo o poder do Legislativo e cerceando a liberdade de expressão de seus membros. O resultado é claro: hoje, qualquer parlamentar que ouse confrontar a hegemonia de pensamento imposta pelo Judiciário corre o risco de ser alvo de investigações, sanções ou até cassações.

Não se trata de defender indivíduos ou casos específicos, mas de enxergar a gravidade do precedente que está sendo estabelecido. Ao permitir que ministros interpretem a Constituição de maneira subjetiva, a imunidade parlamentar deixa de ser um direito fundamental e passa a ser tratada como um privilégio que pode ser arbitrariamente negado. Essa dinâmica transforma o Legislativo em um órgão subserviente, intimidado, incapaz de cumprir plenamente sua função de representar os anseios do povo.

O enfraquecimento da imunidade parlamentar não ocorre isoladamente. Ele faz parte de um contexto maior, no qual a liberdade de expressão está sendo gradualmente eliminada no Brasil. Sob o pretexto de combater discursos de ódio e fake news, temos assistido a uma escalada de censura, onde o espaço para o contraditório e o debate público está sendo reduzido a passos largos. E, nesse cenário, a imprensa – tradicionalmente um bastião da liberdade – tem falhado gravemente.

Boa parte da mídia tem optado por endossar, de maneira acrítica, as ações do STF, pintando-as como medidas necessárias para proteger a democracia. Na prática, esse apoio cego apenas legitima abusos e impede que a população compreenda a extensão do problema. Pior ainda, a narrativa dominante desvia o foco do cerne da questão, que é o desequilíbrio entre os poderes e a usurpação de funções que não cabem ao Judiciário. Assim, a desinformação se torna uma ferramenta poderosa para manter o público desavisado e indiferente diante da destruição de suas próprias garantias.

Mas como chegamos a este ponto? A resposta não é simples, mas passa por fatores como a omissão dos próprios parlamentares, o medo de enfrentamento e a falta de reação popular. Enquanto os abusos avançavam, muitos preferiram o silêncio ou, no máximo, tímidas declarações de descontentamento. Esse vazio de resistência deu ao STF carta branca para ampliar seus poderes sem encontrar barreiras. Afinal, um Judiciário que não enfrenta consequências por ultrapassar seus limites naturalmente continuará a fazê-lo.

Esse ciclo de arbitrariedades é um alerta para todos nós. Não é apenas a imunidade parlamentar que está em risco, mas a própria democracia. Quando os representantes do povo não têm liberdade para falar, debater e agir, quem perde é a população. Sem imunidade, não há oposição; sem oposição, não há fiscalização; e sem fiscalização, o poder se torna absoluto – e absolutamente autoritário.

O momento exige reflexão e ação. Não podemos mais ignorar o que está acontecendo. É preciso exigir que os poderes respeitem seus limites e que a Constituição seja cumprida em sua integridade. É preciso questionar a mídia quando ela se cala ou apoia ações que minam as bases democráticas. E, acima de tudo, é preciso que o povo compreenda que a luta pela liberdade de expressão não é uma causa abstrata, mas uma batalha pela preservação de seus próprios direitos e de sua própria voz.

A democracia brasileira ainda pode ser salva, mas não sem esforço e coragem. Que tenhamos a sabedoria de agir antes que seja tarde demais.

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