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A DIVINA JORNADA (1)

O Inferno do Brasil

Inspirado na obra de Dante Alighieri

Prólogo

Há histórias que se escrevem com a pena.

Este foi escrito com as chagas da alma.

A quem atravessa os tempos, não é dado o conforto da neutralidade. E àquele que ousa olhar além do véu da aparência, não é permitido o silêncio. Por isso, quando o mundo desmoronava em mentiras douradas, em sentenças sem justiça e em músicas sem alma, um chamado sussurrou no meio da noite:

“Desce.”

Não foi um sonho, nem uma alucinação.

Foi um chamado.

No meio do caminho da minha vida, a meio do século em que a verdade foi arrastada pelas ruas, vi-me perdido em selva mais escura que a noite — onde cada árvore era uma tela acesa e cada sombra, um algoritmo. As vozes sussurravam promessas de progresso, mas no fundo da alma sentia a marcha de um povo esmagado pela dissimulação.

Ali, onde a fé era zombada, a justiça sequestrada e o bem chamado de mal, meu espírito vacilou. E quando a alma vacila, Deus envia o que é mais raro: um homem verdadeiro.

Foi quando, no limiar da madrugada, ele apareceu.

I — O Chamado da Sombra

Não era luz o que vi. Era uma penumbra cheia de autoridade.

Ele não vinha com clarins, mas com a firmeza de quem já sabia o que era a morte e ainda mais o que era a mentira. Vestia-se como outrora, com sobriedade espartana, e seu rosto trazia a marca de quem desafiou os ídolos modernos sem piscar.

Era Olavo.

— “William.” — disse ele, com voz que cortava como espada, mas acariciava como a verdade.

— “Teu tempo chegou. Foste escolhido para ver o que os homens temeram conhecer, e registrar o que precisa ser dito — porque a justiça humana calou-se, e a divina, enfim, falou.”

Meu corpo estremeceu, mas meus pés não recuaram.

Havia nele uma aura antiga, como se as colunas de Roma e os sinos de Jerusalém ecoassem de sua voz.

Foi então que vi, ao seu lado, a presença que nenhum pecado poderia tocar. Um frade de semblante austero, olhos cerrados em oração, e o cheiro de rosas invisíveis em volta. Sua mão estendida repousou brevemente sobre o ombro de Olavo, como quem confirma uma missão.

Era Padre Pio.

Com um leve aceno, ele entregou o filósofo à missão. Sem uma palavra sequer.

E Olavo, ao meu lado, respirou fundo.

— “Não sou anjo, nem santo. Mas vi o que poucos quiseram ver.

Falei quando era mais fácil calar.

E, embora não tenha entrado na plenitude da luz, fui autorizado a te conduzir até o limiar das trevas.

O que verás, não é alegoria, é diagnóstico. E todo diagnóstico exige ação.”

Seguimos.

II — As Portas

A descida não se deu por escadas, nem por grutas medievais.

Ela começou num sussurro, num estalo de consciência.

De repente, já estávamos lá.

À frente, erguiam-se portões altos como torres, onde se lia, entalhado em ferro ardente:

“Aqui entram os que venderam a alma por aplausos, poder ou silêncio.”

Olavo me fitou e, com amargura solene, disse:

— “Não foram poucos. Nem foram fracos. Foram os que riram da fé, brincaram de deuses e destruíram nações com a caneta ou com a câmera.

E agora, estão todos aqui.”

Entramos.

III — Os Togados do Silêncio

A primeira região era feita de pedra e eco.

Não havia grito — apenas silêncio. Um silêncio cortante, que feria os ouvidos mais que qualquer som.

Ali, estavam os que julgaram em nome da democracia, mas enterraram a justiça.

Vestiam togas que ardiam por dentro, e seguravam livros cujas páginas se desfaziam ao toque.

Seus rostos eram ocultos por máscaras de ouro rachado.

Andavam em círculos, tentando proferir sentenças, mas suas línguas estavam furadas por serpentes de luz.

Eram os que diziam defender a Constituição enquanto a rasgavam em silêncio noturno.

Um deles, imenso, de crânio reluzente como lâmina, reinava entre os demais.

Seu olhar era fixo, como de quem nunca piscou diante da injustiça — mas também nunca hesitou em cometê-la.

Sentado num trono em forma de tribunal, ele ouvia, sem poder retrucar, os gritos daqueles que censurou, prendeu, humilhou.

Sobre sua cabeça, chovia uma tempestade de papéis assinados com tinta de sangue.

Sua pena: ouvir eternamente os nomes daqueles que calou, os rostos dos inocentes que condenou, e a verdade que tanto quis silenciar — agora gritando no próprio inferno.

Aproximei-me, em pavor, e Olavo apenas disse:

— “Este foi o que fez o povo temer falar.

Ele destruiu o alicerce da liberdade em nome da ordem.

E agora, é esmagado por aquilo que tentou controlar: a palavra.”

IV — Os Servos do Partido Único

Descemos mais.

Lá, encontrei homens de sorriso fácil e mãos lambuzadas.

Falavam de justiça social enquanto saqueavam o tesouro.

Um deles, de barba grisalha e olhar encardido, arrastava uma corrente feita de notas promissórias e promessas não cumpridas.

Outros — mestres da corrupção — serviam-lhe vinho amargo feito do suor de operários que nunca conheceram a fábrica.

Olavo parou, entristecido.

— “Eu os conheci.

Eu gritei, escrevi, avisei.

Sabia que eram maus.

Sabia que escravizavam em nome da liberdade.

Mas não sabia… não sabia que a eternidade seria assim.

Se eu soubesse, teria gritado mais alto.”

V — Os Mercadores de Narrativas

Depois, vi os jornalistas.

Viviam num teatro de fumaça. Carregavam microfones que se transformavam em correntes.

Tentavam falar, mas suas bocas cuspiam páginas em branco.

Foram os que zombaram da fé, distorceram reputações, chamaram mártires de monstros e monstros de salvadores.

Foram usados — e nem sabiam por quem.

Pagam agora não por sua maldade, mas por sua ignorância voluntária.

VI — Os Escravos da Plateia

Ali estavam os artistas.

Usaram sua arte para servir ao mal, aplaudir tiranos e cantar para a censura.

Trocavam versos por verba.

Encenavam justiça enquanto celebravam a opressão.

Cantavam sobre o povo, mas nunca pisaram no barro.

Sua pena: atuar eternamente em peças sem público, cujos aplausos soam como escárnio.

EPÍLOGO — A Luz que Renasce

Quando saímos do Inferno, os olhos ainda sangravam do que viram.

Mas acima, no horizonte, vi o contorno de um povo que despertava.

A verdade havia vencido.

O Brasil, embora dilacerado, havia sido restaurado.

Olavo se deteve no limiar.

Não pôde avançar mais.

Uma luz suave o envolveu.

— “Combati o bom combate. E agora, retorno ao meu lugar.

Mas lembra-te, William: se fores fiel ao que viste, muitos verão contigo.”

E antes de partir, ele ouviu — não dos homens, mas do alto — a única frase que sempre desejou:

“Bem-aventurado aquele que ensinou a verdade num tempo de mentiras.”